Aplicação analógica da Lei 8.245/91 (Lei de Locações) aos imóveis rurais
A
Lei de Locações (nº 8.245/1991) é clara no caput
do Art. 1º ao dizer que:
“A locação de imóvel urbano regula-se pelo disposto nesta lei”.
Surge,
portanto, a dúvida: Os Contratos de Locação de Imóvel Rural (para fins comercial ou residencial) são
regidos por qual lei?
·
Código Civil (Arts. 565-578)?
·
Estatuto da Terra (arrendamento)?
·
Lei nº 4.947/1966 (Direito Agrário)?
·
Decreto nº 59.566/1966?
·
Lei de Locações?
Para
responder a esta pergunta é necessário primeiro responder outra:
·
Qual o critério de definição das normas
brasileiras para definir o que são imóveis urbanos e rurais?
Existem
dois critérios: geográfico e finalístico, mas a Lei de
Locações foi omissa ao não dizer qual destes dois critérios utiliza para determinar
e definir o significado do termo “imóvel urbano” utilizado no seu texto
normativo.
No
ordenamento jurídico brasileiro, encontramos diversas leis que conceituam os
termos “urbanos” e “rurais”, levando em consideração a própria teleologia da
norma, e a partir da pesquisa dessas definições em uma análise comparativa
pode-se abrir a oportunidade de uma construção lógica para pacificar o problema
aqui proposto a fim de dizer qual o critério tem aptidão de dizer a “vontade”
da Lei de Locações, o que dará domínio para também responder qual à questão
específica: quais normas se aplicam ao
Contrato de Locação de Imóvel Rural?
Para
trilhar o caminho da construção de uma resposta adequada é necessário, antes,
analisar de modo sucinto algumas normas que já definiram os termos “urbano” e
“rural”.
Para o Direito Tributário, que é responsável por regulamentar a relação jurídica entre o
Fisco e o Contribuinte decorrente da obrigação tributária, traz a conceituação de imóvel urbano no Art. 32 do Código Tributário Nacional-CTN:
“Art. 32. O imposto, de competência dos Municípios, sobre a propriedade predial e territorial urbana
tem como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse de bem imóvel
por natureza ou por acessão física, como definido na lei civil, localizado na zona urbana do Município”.
Veja
que o critério utilizado pelo CTN baseia-se na localidade do imóvel, ou seja,
leva-se em consideração o critério geográfico da localização do bem imóvel.
Para tanto, o CTN ainda diz quais são as característica mínimas para se
considerar se o local que se encontra o imóvel é urbano ou não:
“§1º Para os efeitos deste imposto,
entende-se como zona urbana a definida em lei municipal; observado o requisito mínimo da existência de melhoramentos
indicados em pelo menos 2 (dois) dos incisos seguintes, construídos ou
mantidos pelo Poder Público:
I
- meio-fio ou calçamento, com canalização de águas pluviais;
II
- abastecimento de água;
III
- sistema de esgotos sanitários;
IV
- rede de iluminação pública, com ou sem posteamento para distribuição
domiciliar;
V
- escola primária ou posto de saúde a uma distância máxima de 3 (três)
quilômetros do imóvel considerado”.
De
igual modo, a Lei nº 9.393/1996 e o CTN (que regulam o ITR) também definem o
que é imóvel rural:
O Art. 29 do CTN:
“Art. 29. O imposto, de competência da União,
sobre a propriedade territorial rural tem como fato gerador a propriedade, o
domínio útil ou a posse de imóvel por natureza, como definido na lei civil, localização fora da zona urbana do
Município.”
Art.
1º, caput, §2º da Lei nº 9.393/1996:
“Art. 1º O Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural -
ITR, de apuração anual, tem como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou
a posse de imóvel por natureza, localizado
fora da zona urbana do município, em 1º de janeiro de cada ano”.
“§2º Para os efeitos desta Lei, considera-se imóvel rural a área contínua, formada de uma ou mais
parcelas de terras, localizada na zona rural do município”.
Sem
dificuldades, o critério adotado, para incidência do ITR, também é o geográfico, razão pela qual, o
imóvel é rural sempre que situado em zona rural.
Já
o Direito Agrário adota o critério finalista, ou seja, leva-se em consideração
qual a destinação do imóvel. Assim, os imóveis urbanos são aqueles destinados
às atividades comerciais, industriais e de moradia, ao passo que os imóveis
rurais são aqueles em que sua função é a própria atividade agrária.
Note,
portanto, que para este conceito primeiro busca uma noção do que seja imóvel
rural e, após feito isso, por dedução lógica e por exclusão, os imóveis que não
forem conceituados como rurais são considerados urbanos.
O
Estatuto da Terra (Lei nº 4.504/64):
Art. 4º - Para os efeitos desta Lei,
definem-se:
I – "Imóvel
Rural", o prédio rústico, de área contínua qualquer que seja a sua
localização que se destina à exploração
extrativa agrícola, pecuária ou agro-industrial, quer através de planos
públicos de valorização, quer através de iniciativa privada;
Art. 92. A posse ou uso temporário da
terra serão exercidos em virtude de contrato expresso ou tácito, estabelecido
entre o proprietário e os que nela
exercem atividade agrícola ou pecuária, sob forma de arrendamento rural, de
parceria agrícola, pecuária, agro-industrial e extrativa, nos termos desta
Lei.
O
Decreto nº 59.566/66, que regulamenta os contratos agrários, entre eles o
arrendamento rural:
Art 1º O arrendamento e a parceria são
contratos agrários que a lei reconhece, para o fim de posse ou uso temporário
da terra, entre o proprietário, quem detenha a posse ou tenha a livre
administração de um imóvel rural, e aquêle
que nela exerça qualquer atividade agrícola, pecuária, agro-industrial,
extrativa ou mista (art. 92 da Lei nº 4.504 de 30 de
novembro de 1964 - Estatuto da Terra -
e art. 13 da Lei nº 4.947 de 6 de abril
de 1966).
Assim,
considerando que o objeto do contrato de locação trata-se de imóvel localizado
em zona rural, mas sem destinação
agrícola, pecuária ou agroindustrial, a jurisprudência nacional[1]
tem consolidado certo entendimento que permite a aplicação analógica da Lei de
Locações (8.245/91) no caso em questão.
Mesmo que a Lei
8.245/91 (Lei de Locações) diga expressamente que o âmbito de sua aplicação
envolve apenas imóvel urbano[2], não se pode presumir seu
afastamento apenas por questão meramente geográfica, pois deve se levar em conta qual a
destinação de seu uso. Assim, sendo as atividades da locatária puramente
comerciais ou com fins residenciais sem nenhuma relação com atividades típicas
do campo rural, há a aplicação analógica da Lei de Locações neste tipo de
contrato, aplicando seus institutos, procedimentos, prazos, penalidades
(criminais e civis), bem como regras de direito processual (ação de despejo,
consignação, revisional, renovatória).
[1]
APELAÇÃO
CÍVEL. AÇÃO DE REVISÃO DE CONTRATO DE ARRENDAMENTO PARA LOCAÇÃO COMERCIAL.
IMÓVEL RURAL. APLICAÇÃO DA LEI N.º 8.245 /91. REVISÃO DO
VALOR DO LOCATIVO. ART. 19 DA LEI DO INQUILINATO . O
contrato de arrendamento de imóvel rural, cuja finalidade não atende o disposto
no art. 3º do Decreto 59.566/66, porque nele é desenvolvida atividade
comercial ou industrial, cabe ser revisado quanto a sua natureza, para que
passe a vigorar como contrato de locação comercial de imóvel rural,
aplicando-se, analogicamente, a Lei n.º 8.245 /91, e não as
regras gerais dos contratos, previstas no Código Civil. Precedentes do
Tribunal. Descabe, contudo, a revisão do valor do locativo, se do último
aditivo contratual que reajustou o aluguel, não havia decorrido o período de três
anos previsto no art. 19 da Lei n.º 8245 /91, quando
do ajuizamento da ação. Preliminar de intempestividade da apelação, afastada.
PRELIMINAR REJEITADA. APELAÇÃO PROVIDA.
RIO GRANDE DO SUL. TJRS. Apelação Cível nº 70051709780. Relator:
MARTINS, Catarina Rita Kriger. Publicado no DJ em 23/05/2013. Disponível em http://www.tjrs.jus.br/site_php/consulta/download/exibe_documento.php?ano=2013&codigo=835833 (grifo nosso).
[2] Art.
1º, caput, Lei nº 8.245/91 – A locação
de imóvel urbano regula - se pelo disposto nesta lei.
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