PDV



Gabriel Gomes B. de O. e Lima

O equilíbrio social, em contraste com a banal judicialização dos conflitos, dá às pessoas a oportunidade de resolverem seus próprios problemas de maneira mais eficiente através do diálogo construído, deixando para trás o aspecto “vingativo” da intervenção judiciária em que, conforme as regras do jogo (nem sempre justas), a um adjetiva de injusto e a outro de correto.

Talvez, hoje, um dos grandes desafios sociais é a construção de uma maturidade coletiva baseada na boa-fé, na lealdade, na transparência e na razoabilidade. Só através destes preceitos que é possível uma efetiva transação extrajudicial de interesses através de concessões recíprocas pelo comum acordo, ao invés de prosseguir em disputas e brigas por direitos negados e obrigações vilipendiadas.

O Ministro do TST e doutrinador Maurício Godinho Delgado traz um conceito preciso sobre o tema:

“Transação: é ato bilateral (ou plurilateral), pelo qual se acertam direitos e obrigações entre as partes acordantes, mediante concessões recíprocas (despojamento recíproco), envolvendo questões fáticas ou jurídicas duvidosas (res dubia)”.
Os benefícios da transação extrajudicial são vários, podendo ser citados a título de exemplo: a construção de uma cultura moderna de resolução de conflitos, a reafirmação da democracia pelo povo (e não pelas instituições públicas), a evolução da sociedade no exercício do debate amistoso, o surgimento de uma noção de empatia social enquanto ferramenta eficaz no exercício dos direitos de terceira dimensão (fraternidade e solidariedade), redução de custos no Poder Judiciário, mais celeridade na tramitação processual, serviço jurisdicional prestado com mais eficiência e presteza, entre tantos outros.

Certo é que a função social da transação no campo dos direitos civis pode ser observada mais facilmente, já que – teoricamente – as partes tendem a ser equivalentes nas relações jurídicas com a capacidade plena da autonomia privada das partes para gerir seus próprios interesses. Mas não ocorre o mesmo no Direito do Trabalho, em que há uma gama consideravelmente maior de direitos irrenunciáveis (por se tratarem de direitos de natureza social), não sendo possível a renúncia sobre tais, tampouco sua transação, mesmo que com a anuência do empregado.

E é nessa via restritiva de transação extrajudicial trabalhista que as empresas buscam ferramentas capazes, que se adéquam ao que é exigido no Direito do Trabalho.

Assim, a necessidade veemente de um instrumento que suprisse a fragilidade empresarial na busca de uma forma de transação extrajudicial legítima conjugada com a segurança jurídica necessária, fez surgir o chamado “Plano de Incentivo à Demissão Voluntária”o PDV –, em que o empregado que decidir pedir demissão fará jus a uma indenização, ficando a empresa livre de encargos trabalhistas decorrentes de típica demissão sem justa causa, como multa sobre o FGTS, indenizações legais (Arts. 467 e 477, CLT), eventuais direitos indenizatórios decorrentes de negociação coletiva, além, é claro, de possível reclamação trabalhista.

O PDV foi criado para otimizar a gestão de trabalho, bem como reduzir os custos da folha de pessoal. Este instrumento foi amplamente recebido e aplicado por várias empresas, inclusive empresas públicas e sociedades de economia mista.

A importância do PDV nas grandes empresas é notória, considerando a importância da economia de escala nas grandes corporações. Assim, seu correto uso libera receitas através da contenção de riscos e gastos pela prevenção de ações judiciais.

Os objetivos do PDV é o enxugamento da folha salarial ou a renovação da mão de obra por outra mais oxigenada com menor custo. Seu alvo principal é, portanto: a) - a redução de trabalhadores pelo excesso desnecessário; ou b) a busca da melhoria do processo produtivo pela renovação de pessoas. De qualquer modo, se mostra como instrumento de estratégia empresarial para alavancar o desenvolvimento lucrativo da organização.

Assim, caso a empresa esteja em um momento de desaceleração econômica em que a quantidade de trabalhadores esteja acima do necessário de seu processo produtivo, ela poderá implantar – em conjugação de interesses com o sindicato da categoria profissional – o PDV, com a finalidade de diminuir o quadro de pessoal ao patamar proporcional exigido pela ocasião.

É importante ressaltar que não raras vezes o PDV é oferecido aos empregados quando a empresa passa por sérias dificuldades financeiras, casos em que é essencial a máxima redução de custos em vista da urgência e perigo de uma recuperação judicial ou, até mesmo, falência. Assim, nesta hipótese, é aconselhável ao empregado analisar acuradamente a opção de aderir ou não ao plano, pois é notória a dificuldade econômica da empresa, caso em que eventual execução trabalhista pode restar por ineficaz em face da insuficiência/inexistência de ativos necessários a satisfação dos mais variados débitos: trabalhistas, fiscais, civis...

A jurisprudência ganha espaço notório de participação na construção deste tema, sedimentando entendimentos particularizados à justiça trabalhista. Em um viés protecionista ao empregado, os tribunais pacificaram questões cinzentas, impondo limites à liberdade e ao tracejo das transações extrajudiciais. Conforme demonstrado adiante, a adoção do PDV pela empresa já não se mostra tão atraente como desejaria. Portanto, o PDV, antes de implantado por política empresarial, deve ser analisado e estudado cuidadosamente pelo corpo diretivo com o fim de alcançar seu fim maior, que é redução de custos e a diminuição de riscos.

CLÁUSULA DE QUITAÇÃO GERAL

A primeira questão analisada pela jurisprudência diz respeito à possibilidade da existência de uma cláusula de quitação geral, em que a transação extrajudicial extingue, por definitivo, toda pretensão trabalhista por parte do obreiro, estando o empregador quite com suas obrigações trabalhistas pelo pagamento da respectiva indenização.

Ocorre que o TST vai na contramão do desejo empresarial, dizendo ser impossível atribuir ao PDV o caráter definitivo, em que obstaria o empregado de rediscutir o contrato de trabalho pela via judiciária. Portanto, para o TST, o PDV não contém cláusula de quitação geral das verbas trabalhistas.

A conclusão adveio da interpretação sistemática de ordem principiológica[1] juntamente com o ordenamento jurídico vigente. Assim, partindo da premissa do princípio básico da proteção ao empregado, bem como a irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas por sua natureza cogente (de ordem pública, imperativa...), o tribunal restou acertado que a espécie de transação extrajudicial posta em questão não pode presumir por satisfeitos os créditos decorrentes do contrato de trabalho. Pelo contrário, a quitação é tida por feita apenas em relação ao que é discriminado no instrumento de rescisão em consonância com o exigido pelo Art. 477, §2º da CLT:

“O instrumento de rescisão ou recibo de quitação, qualquer que seja a causa ou forma de dissolução do contrato, deve ter especificada a natureza de cada parcela paga ao empregado e discriminado o seu valor, sendo válida a quitação, apenas, relativamente às mesmas parcelas.”

Os empregadores ainda tentaram contra argumentar com antítese, fundamento a legitimidade da quitação ampla da transação com base nos Arts. 104 e 849 do Código Civil (validade do negócio jurídico e segurança jurídica da transação), bem como no Art. 8º, III da Constituição Federal (assistência sindical do obreiro), razões pelas quais o ato jurídico estaria perfeito e acabado. Mas todas estas teses foram rechaçadas pelo TST, prevalecendo seu entendimento, tendo sido editada a OJ-SDI1-270 nos seguintes termos:

“OJ-SDI1-270 PROGRAMA DE INCENTIVO À DEMISSÃO VOLUNTÁRIA. TRANSAÇÃO EXTRAJUDICIAL. PARCELAS ORIUNDAS DO EXTINTO CONTRATO DE TRABALHO. EFEITOS (inserida em 27.09.2002)
A transação extrajudicial que importa rescisão do contrato de trabalho ante a adesão do empregado a plano de demissão voluntária implica quitação exclusivamente das parcelas e valores constantes do recibo.”

COMPENSAÇÃO DE VALORES

Com entendimento sedimentado no sentido da não quitação geral das verbas trabalhistas nos casos do PDV, os empregadores começaram a postular, portanto, a compensação entre a indenização já paga pela adesão ao PDV e a condenação/acordo judicial das verbas discutidas em juízo.

Mais uma vez, o TST foi contrário ao interesse empregatício, formando jurisprudência no sentido que seria incabível a compensação entre os valores, posto que são de naturezas distintas, não podendo ser compensados entre si, conforme OJ-SDI1-TST 356:

“PROGRAMA DE INCENTIVO À DEMISSÃO VOLUNTÁRIA (PDV). CRÉDITOS TRABALHISTAS RECONHECIDOS EM JUÍZO. COMPENSAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE (DJ 14.03.2008)
Os créditos tipicamente trabalhistas reconhecidos em juízo não são suscetíveis de compensação com a indenização paga em decorrência de adesão do trabalhador a Programa de Incentivo à Demissão Voluntária (PDV).”
Assim, o TST reconheceu que a indenização decorrente do PDV não tem natureza trabalhista e não decorre do contrato de trabalho, razão pela qual é impossível compensar seus valores com as verbas trabalhistas.
Este entendimento promoveu sério desânimo empresarial na utilização deste instrumento de transação, pela insegurança financeira que o segue. Deste modo, a transação que seria uma ferramenta com característica de definitividade, acabou tendo seus efeitos reduzidos consideravelmente pela interpretação dos tribunais trabalhistas, preferindo os empregadores a lançar mão de outros meios (até mesmo acordos nas vias judiciais), que arriscar a sorte transacionando extrajudicialmente.
Aqui cabe uma crítica à política de celeridade e eficiência processual contemporânea. Ora, o grande gargalo da sonegação das verbas trabalhistas encontra-se hoje nas próprias vias judiciais, em que a pressão sobre as partes para a realização de acordo é, não raras vezes, quase que impostas pelo Estado-juiz, sendo o reclamante locupletado nos seus direitos com a chancela jurisdicional, ironicamente.
A situação se justifica pelo desespero. Conjuga-se a ânsia de finalizar a celeuma processual na audiência de conciliação, o volume desumano de processos judiciais, o baixo número de servidores e juízes proporcionais à demanda e, pior de tudo, um conselho nacional que impõe metas objetivas sobre tribunais e juízes desejando sobretudo índices e porcentagens, mas preterindo a verdadeira função do juiz: a função jurisdicional.
IMPOSTO DE RENDA
A indenização recebida pela adesão ao PDV é isenta do imposto sobre a renda[2], justificada pela sua própria natureza indenizatória. Nesse sentido, a OJ-SDI1-207 do TST:
OJ-SDI1-207 PROGRAMA DE INCENTIVO À DEMISSÃO VOLUNTÁRIA. INDENIZAÇÃO. IMPOSTO DE RENDA. NÃO-INCIDÊNCIA (inserido dispositivo) - DJ 20.04.2005
A indenização paga em virtude de adesão a programa de incentivo à demissão voluntária não está sujeita à incidência do imposto de renda.

ADICIONAL DO ART. 9º DA LEI Nº 7.238/1990

O Art. 9º da Lei nº 7.238/1990 estipula que “O empregado dispensado, sem justa causa, no período de 30 (trinta) dias que antecede a data de sua correção salarial, terá direito à indenização adicional equivalente a um salário mensal, seja ele optante ou não pelo Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS”.

Malgrado a regulamentação referida, pela adesão ao PDV não ser considerada dispensa imotivada nos termos do preceptivo referido, não é devido ao empregado aderente a respectiva indenização do trintídio anterior à data-base.

            Pacífica jurisprudência:

EMBARGOS. PRELIMINAR DE NULIDADE DO ACÓRDÃO EMBARGADO POR NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. Não há falar em nulidade da decisão se o julgamento ocorre com explícito fundamento em verbete de jurisprudência deste Eg. Tribunal Superior. PROGRAMA DE INCENTIVO À DEMISSÃO VOLUNTÁRIA INDENIZAÇÃO ADICIONAL - INDEVIDA Para fins de pagamento da indenização adicional prevista no art. 9º da Lei nº 7.238/84, não se pode equiparar a despedida sem justa causa à adesão ao Plano de Desligamento Voluntário. No primeiro caso, a Lei procura resguardar o empregado das perdas que sofreria com a rescisão de seu contrato às vésperas do reajuste salarial da categoria, por ato unilateral do empregador. No segundo, a rescisão ocorre por mútuo consentimento e, embora haja pagamento de verbas indenizatórias, o desligamento decorre da adesão voluntária do trabalhador. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - REEXAME FÁTICO Tendo o Eg. Tribunal Regional condenado a Reclamada ao pagamento de honorários advocatícios sem mencionar pormenorizadamente os fundamentos fáticos da decisão, cabia ao Réu instá-lo, via Embargos de Declaração, a fazê-lo. Assim, sendo insuficientes os elementos do acórdão regional acerca da existência ou não do preenchimento dos requisitos previstos na Súmula nº 219/TST, é cabível a invocação do óbice da Súmula nº 126/TST. Embargos parcialmente conhecidos e providos. (TST; E-ED-RR 784.610/2001.1; Primeira Subseção de Dissídios Individuais; Relª Min. Maria Cristina Irigoyen Peduzzi; DJU 08/02/2008; Pág. 1459)


ALGUMAS DECISÕES DE TRIBUNAIS SOBRE O PDV A TÍTULO DE CURIOSIDADE:




TRT - 2ª REGIÃO (clique aqui) > PDV é considerado contrato de adesão.

TRT - 3ª REGIÃO (clique aqui) > É devida a indenização decenal de estável no caso de adesão do PDV.









[1] Maurício Godinho Delgado conceitua o princípio da proteção: “Informa este princípio que o Direito do Trabalho estrutura em seu interior, com suas regras, institutos, princípios e presunções próprias, uma teia de proteção à parte hipossuficiente na relação empregatícia - o obreiro -, visando retificar (ou atenuar), no plano jurídico, o desequilíbrio inerente ao plano fático do contrato de trabalho”; e também o princípio da imperatividade das normas trabalhistas: “Informa tal princípio que prevalece no segmento juslaborativo o domínio de regras jurídicas obrigatórias, em detrimento de regras apenas dispositivas. As regras justrabalhistas são, desse modo, essencialmente imperativas, não podendo, de maneira geral, ter sua regência contratual afastada pela simples manifestação de vontade das partes. Nesse quadro, raros são os exemplos de regras dispositivas no texto da CLT, prevalecendo uma quase unanimidade de preceitos imperativos no corpo daquele diploma legal.” (DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. LTr. 2014. 13 Ed. p. 192-199).
[2] Portal da Receita Federal. Disponível em <http://www.receita.fazenda.gov.br/GuiaContribuinte/RestRessarComp/RestCredAdmin/RestPDV.htm >. Acesso em 26 de agosto de 2013.

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